domingo, 30 de outubro de 2016

A onda atual de desmobilização

Nos últimos meses, presenciamos algumas propostas do atual governo, como a PEC que torna a Educação um serviço essencial constitucionalmente, com o intuito de que as greves dessa área não possam paralisar completamente as escolas e Universidades, e a PEC 241 do teto dos gastos públicos, aprovada na Câmara que chegou ao Senado como PEC 55 que, no próprio site do Senado, possui 95% dos votos contrários à sua aprovação. Ainda vem por aí Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista, Reforma do Ensino Médio, etc.

Por que será que os ataques contra o Movimento Estudantil, contra os Movimentos Sociais e os Sindicatos estão tão fortes nesse momento? É possível enxergar as entrelinhas desses ataques, pois vêm de pessoas saudosistas pelos governos que sempre serviram aos interesses contrários aos dos mais necessitados. Vamos a algumas considerações:

Se Educação é essencial, pagar abaixo do Piso Nacional é crime de responsabilidade para os prefeitos e governadores e crime inafiançável para os donos das escolas particulares?

Se Educação é essencial, pagar R$520 por mês a um estagiário que faz exatamente as mesmas funções em sala de aula que um concursado, é plausível?

Senadores, um serviço "essencial" para o país precisa ser tratado como tal. Uma escola estadual que estudei, possui 21 salas, sendo 14 de aula, 3 de línguas, sala de informática, sala de dança, sala de artes e um laboratório de química e biologia. Sabem quanto o colégio recebia para a manutenção disso tudo? R$5.000,00 a cada três meses. Isso não paga nem a gasolina que um único Senador declara usar.

Agora vem falar em tornar a Educação essencial... Isso vai triplicar os investimentos em Educação? Porque é só observar o abismo entre a educação pública que dá certo (a Federal) e a que dá muito pouco certo (a estadual e municipal). Nos Institutos Federais, cada aluno custa 3 vezes mais do que nas escolas públicas estaduais e municipais. Os professores também ganham quase 3 vezes mais.

Além disso, a Lei 7783/89 que dispõe sobre o que é um Serviço Essencial, constitucionalmente, diz o seguinte:
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. 

Quero ver os 29 Senadores que assinam a PEC comprovarem que falta de Educação coloca em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. O que falarão do analfabetismo?

Vamos tratar a educação como essencial, ou só vamos usar isso para tirar mais direitos?

Além disso, esta é a primeira vez na história do Brasil que políticos que fazem parte do governo são investigados e presos. Isso é mérito do próprio governo. Ou podemos acreditar que não havia corrupção dentro dos outros governos, onde ninguém havia sido preso.

As condições de vida na periferia melhoraram sim. O poder de compra aumentou consideravelmente. Nem nos melhores sonhos de meus pais, lá pela década 90, hoje eles teriam duas casas e dois carros na garagem. Fazer mercado e poder pagar $500 numa única compra só se tornou realidade a partir dessa década. É possível ver como a qualidade das casas aumentou, com muitas reformas na última década. Sem falar que mais da metade das casas possui um veículo próprio. E eu estou falando da Boa Vista de São Caetano.

Isso pode sim ser herança do plano real, mas tenho muitos motivos para acreditar que um outro governo não faria tudo isso.

Os últimos dois anos estão difíceis sim. Mas quem foi que prometeu implodir o governo? Quem foi que disse que iria fazer de tudo para arruinar o governo, porque perdeu as eleições? Quem foi que deu entrevista ao vivo na TV Senado assumindo que o impedimento foi por governabilidade, e não por crime?

ACM Neto obteve 73% dos votos, mas Célia Sacramento obteve 0,23%. Se acreditassem que o vice tem a mesma responsabilidade no governo, metade teria votado em Neto e metade em Célia.

A educação melhorou muito sim. Basta ir em qualquer Universidade Pública e perguntar aos professores como foi a era FHC e como a universidade recebeu recursos a partir de 2003. Só na UFBA, o tempo que fiquei, vi mais de 10 grandes obras sendo feitas. Só no Instituto de Matemática, o número de professores aumentou muito, porque com FHC tinha diminuído para menos da metade.

2018 vem aí e, mesmo não votando no PT no primeiro turno, espero muito que Lula esteja no segundo turno para eu votar nele, porque só de ver a EBC mudar seu discurso para defender corruptos, a gente percebe do que são capazes.

sábado, 8 de outubro de 2016

A vista da janela


Essa é a primeira imagem que vi da sociedade. Em mais de 20 anos, pouca coisa mudou nessa paisagem. Rio transformado em esgoto, casas que caem com a chuva, outras que inundam. Em todo verão, arraias que caem no Dique-esgoto e levam os entusiastas a correrem por elas, destoam da falta de lazer, faz-se opção única.

A gente até acha feio olhar para isso, esquecendo-se do fato de que olhar de lá para cá causa a mesma repulsa, as mesmas críticas de casas mal feitas, sem pintar, de que lá é favela.

Ali à direita há casas que afundaram em 1996. Nove famílias engolidas. No centro da imagem, asfalto e saneamento básico ainda são pautas de luta e promessas sem vergonha. À esquerda, casas ainda caem com chuvas, e um dos únicos dois campos de futebol disponíveis, feitos pelo povo.

Dos que eu sabia o nome, dezenas já morreram, por engano, por acertos de contas, por medo de si mesmos, por acidentes. Mas sei que, na verdade, foram centenas os que presenciaram essa sociedade por menos tempo do que eu. Os que sobrevivem, vivem a trabalhar, acreditando que um dia verão outra paisagem pela janela.

Pouquíssimos de nós puderam realizar o sonho de ser o que queria ser. E quem deveria ter que desistir de um sonho desse tamanho? É que a partir daqui, precisamos sonhar com 10 vezes mais forças para realizar. E ninguém pode ser culpado por não suportar tanta pressão. Quando algo acontece por aqui e os jornais querem mostrar que não somos de lá, dizem "nas proximidades de Salvador", ou "na comunidade de Boa Vista de São Caetano". Quando um morador ganha ouro olímpico, o bairro existe, a prefeitura o limpa, e a conquista é da cidade.

Como já foi decidido que não há espaço digno para todos, alguns precisam pagar a conta, precisam ter uma escola pior, nenhuma estrutura de lazer, nenhum posto de saúde, nenhuma praça, esgoto a céu aberto, nenhuma encosta de concreto, apenas três linhas de ônibus mais uma complementar. Alguns precisam trabalhar por conta própria, trazer trabalho para casa, trabalhar com os pais, e até não ter como trabalhar.

Seria muito fácil se tudo dependesse de querer. A gente aprende que é normal ser esmagado e aceitar de cabeça baixa, porque precisa ser honesto. A gente aprende que quando falta comida a culpa é nossa, porque não trabalhou o suficiente, ou não mereceu ganhar mais. A gente aprende que o tráfico vem pra cá porque aqui é lugar das coisas ruins. A gente aprende que se der algo errado, com certeza estava envolvido. E aprende que morar num prédio é ser superior.

Há 26 anos partilho a janela, a vista, a laje, os sonhos, os cansaços, os choros e os réveillons com toda essa gente. Nós cuidamos uns dos outros e rezamos uns pelos outros. Não é fácil subir tantas escadas e ladeiras todos os dias, nem sobreviver para contar. Não é fácil ter que mostrar ao mundo que algo está errado e mesmo assim ouvir que um "homem de bem" sofreu tudo isso e continuou "de bem". Não é fácil querer viver o que é nosso por direito.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O serviço político

O vereador que ajudei a eleger há 4 anos fez tudo o que prometeu e representou muito bem a população de Salvador. Lutou contra o governo de decretos do prefeito e denunciou o descaso com a educação, além da venda ilegal da merenda escolar. Participou de todas as manifestantes populares e foi contra o golpe.

Porém, ele se candidatou de novo. E aí, preciso lembrá-lo que cargo político não é de carreira, nem profissão. Meu voto não será dele novamente. 4 anos são suficientes para mudar os rumos de uma cidade, com novas leis e atualizações das leis defasadas, com transparência, combate à corrupção e valorização dos profissionais das áreas fundamentais para o desenvolvimento e a inclusão social.

Já que o congresso não vai colocar a reforma política de iniciativa popular para andar, vamos começar mudando as pessoas que estão nos representando, por mais que sejam honestas (o que é uma obrigação), para que outras pessoas possam contribuir diretamente, sem as velhas práticas.

Não reeleja políticos.

A incoerência dos armamentistas

"Eu tenho o direito de sacar minha 380 e atirar para me defender quando um marginal tentar me assaltar. Isso se chama legítima defesa." Dizem os defensores da revogação do estatuto do desarmamento.

Será legítima defesa atirar num político condenado por corrupção, ou só vale se defender do negro da periferia que não teve formação, e muitas vezes nem escolha, e que vai levar o celular de R$1.000,00?

"Excluído, iludido, quem nasce na favela é visto como bandido. Rouba muito, magnata: não vai para a cadeia e usa terno e gravata." - MV Bill

"Quando for roubar dinheiro público, vê se não esqueça que na sua conta tem a honra de um homem, envergonhado ao ver sua família passando fome." - MV Bill.

Existem várias formas de ver o mundo e opiniões são válidas, obviamente. Só que algumas convicções são contra os poderosos e outras, contra o povo.

Além disso, pesquisa do Instituto Sou da Paz aponta que 40% dos assaltos, em São Paulo, são cometidos com armas de brinquedo. É por isso que o estatuto do desarmamento foi um grande avanço: no mínimo 40% das pessoas que cometem assaltos não têm acesso a armas de fogo, sem falar nas que não assaltam porque não conseguem armas.

E aí, cidadão de bem, você prefere ser assaltado com arma verdadeira, ou de brinquedo? Tá vendo porquê o debate vai além da legalização do porte e da posse de armas? É preciso ensinar às pessoas que não precisam assaltar, é preciso mostrar as vias alternativas ao tráfico, é preciso fazer políticas públicas, e não dar armas a todo mundo "para se defender".

Fonte: https://goo.gl/NTi6na