domingo, 18 de setembro de 2016

Não quero ver você ir



O que eu não quero ver, nem ter que lamentar, é as expectativas, as lutas, as esperanças de um(a) adolescente se tornarem nulas, porque lhe esgotaram as forças, as lágrimas e as portas lhes foram fechadas. Porque, ao descobrir que a sua arte não é valorizada, que suas inteligências não são financeiramente atrativas, que o mercado é muito cruel com os sonhos da periferia, porque ao perceber que o mundo idealizado nas mídias prefere tomar-lhe a vida do que dar-lhe sucesso, aprende não será fácil constituir família, ou ganhar o dinheiro necessário para viver, mas sim apenas sobreviver.

O que não quero é chorar o fim material de alguém que tem tanto a contribuir, tanto brilho nos olhos, que faz bem a quem está perto, ou a quem lhe acompanha.

Mas, infelizmente, sei que vou chorar, como já chorei tanto por dentro com as notícias, ou ao lembrar das nulidades de vida, de cor, de sorrisos, que pude acompanhar pessoalmente. Vou chorar, e meus irmãos da periferia vão chorar, porque alguns outros decidiram que não cabe todo mundo nesse espaço, que não vale a pena dividir com todos nós. A gente vai chorar a dor das mães que deram tantos conselhos, mas também vai lembrar das dificuldades de se estudar por aqui, da criatividade necessária para ter lazer, do quanto ainda somos esquecidos, da rua que ainda não foi asfaltada, do esgoto a céu aberto, da casa que cai com a chuva, dos ônibus com baratas, das muitas escadas, ladeiras e becos.

O que eu não quero é esquecer de tudo o que a periferia dos centros urbanos faz na vida de uma pessoa. E, com toda certa, o que as pessoas da periferia fazem para o mundo é 99,9% bom. E aquele 0,1% é só devolvendo o que o mundo faz de tão cruel com a gente.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Surpresas de Aniversário



Uma passagem bíblica que sempre me intrigou é a do filho pródigo. Primeiro porquê concordava com o filho mais velho, que sempre esteve ali e julgava que nunca havia recebido nada. Depois sobre as amizades só estarem com o filho mais novo enquanto ele tinha algo a oferecer.

Mas essa passagem fala mesmo é de amor. Um amor pelo filho mais velho, que sempre teve tudo, e porque o pai não deixou de amá-lo mesmo enquanto sofria a ausência do outro filho. Um amor pelo filho mais novo, que dá a sua liberdade tão sonhada e, quando ele volta sem nada nas mãos, sem nada a oferecer, o pai o ama e festeja sua volta.

A gente só vai saber o quanto é amado quando não tiver nada a oferecer e mesmo assim receber ajuda dos amigos, da família. A gente só sabe se é amado quando não pode dar de volta nada além de um sorriso, e mesmo assim as pessoas não te deixam caminhar sozinho, como diz Padre Fábio de Melo..

Sempre busquei cultivar minhas amizades. Sempre quis ter muitos amigos. Sempre tentei me integrar a grupos. Mas muitas vezes me vi sozinho. Porém, hoje eu sei que nunca estive sem amigos.

Desde que comecei o tratamento contra o câncer, já recebi dezenas de visitas em casa (e olha que não é fácil chegar), já respondi centenas de mensagens de pessoas preocupadas, que não querem me perder.

Não é fácil enfrentar o tratamento, até porque são dias e mais dias em casa, numa rotina que cansa, sem poder exercer minha profissão, que é educar.

E hoje, foi mais um capítulo de uma história que contarei por muito tempo: duas festas surpresa no mesmo dia, com pessoas que conheço de lugares diferentes. E tem muita gente que tem me ajudado tanto nessa caminhada, mas não postei foto porque ainda estava no processo de aceitar os efeitos da quimioterapia, principalmente a perda de cabelo.

No mais, só posso lhes agradecer e dizer que cada passo que dou contém um pouco da força, das orações e da energia de cada um e cada uma de vocês. E tudo o que eu puder conquistar terá sido por causa de vocês também, que me deram a mão num momento como esse.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Protestos Fora Temer


Não espere ser tratado da mesma forma nos protestos.

Existe uma diferença crucial entre os manifestantes que tomaram as ruas contra Dilma e os que agora as tomam contra Temer. E não é a ideologia política, porque no fim, bem no fim das contas, quem está governando esse país é o congresso. Elegemos um congresso muito conservador em 2014. E o reflexo disso ainda está por vir. Serão as medidas tomadas para aliviar a crise que irão diferenciar esse congresso de um outro mais representativo dos interesses dos mais pobres.

O que diferencia você que protesta contra Temer daqueles amarelinhos que protestaram contra Dilma, é o que a Polícia faz com você.

Contra Dilma, transmissão ao vivo exaltando os manifestantes, pessoas em sua maioria de classe média e média alta. Qualquer ação da Polícia resultaria em inúmeras reportagens, identificação e prisão dos policiais, além da acusação do Governador, por ter ordenado ação contra o povo.

Contra Temer, nenhuma menção na TV (enquanto não puder chamar alguém de vagabundo), a maioria dos manifestantes vem da periferia, ninguém importante para garantir seus próprios direitos diante da Polícia. Assim, independente do partido do Governador, ele vai usar o poder que tem para dispersar a manifestação. É a pressão das pessoas importantes, com a mídia em silêncio, que garante que a Polícia pode fazer o que for possível para diluir todos os protestos.

Por isso que a Polícia pode cegar um cinegrafista, ou uma manifestante, e ficar por isso mesmo.

O fato dos manifestantes contra Dilma tirarem fotos com a Polícia não é porque eles são pacíficos e os contra Temer são vagabundos. Mas sim porque a Polícia não podia fazer nada antes e agora pode. A Polícia Militar é treinada para tratar o povo como inimigo de guerra. A situação que nos encontramos, travestida de guerra contra o tráfico, tem como uma das causas a maneira como a segurança pública é gerida: o povo é inimigo de guerra.

Então, não adianta ser domingo, de madrugada, com 10 pessoas. Não adianta você ir com flores para o protesto contra Temer, você vai levar bala de borracha, no mínimo. Quem comanda a PM indiretamente já autorizou o massacre. Vá preparado e muito atento.

E não descarte a possibilidade de ter que devolver as bombas lançadas. Porque a chapa vai esquentar.