terça-feira, 15 de novembro de 2016

O que a periferia nos dá?



Você cresceu na periferia, estudou na escola pública do bairro, com os próprios vizinhos. Fez amigos a vida toda.

Você pegava ônibus cheio domingo de manhã para ir à praia e demorava mais de uma hora só para chegar lá. Você perdeu vagas de emprego e percebeu que foi porque sua cor, ou seu bairro, não era bem vista(o).

Você foi seguido de perto, várias vezes, por seguranças e câmeras em lojas, shoppings, supermercados. Você foi abordado e revistado outras tantas vezes porque possuía característica suspeitas.

Você precisou economizar muitas, muitas vezes, para ter três refeições. Você passou muitas noites em postos de saúde que só tratavam com injeções. Você passava quase todos os dias por um esgoto a céu aberto. Você nem é velho, mas lembra de quando o asfalto finalmente chegou na sua rua. Você já bateu laje, já foi mecânico bicicletas, já vendeu produtos de revistas, já empacotou e transportou compras, já carregou blocos, já lavou carros, já vendeu pipoca picolé, entre tantas outras coisas, para ter um trocado e ajudar a família.

Você precisou se esforçar o dobro, o triplo, para estudar e passou a acreditar que poderia cursar o ensino técnico, ou superior. Trabalhou, estudou e constituiu família ao mesmo tempo. Você precisou fingir que a vida de alguns colegas, de balada em balada, era normal; só você que não sabia como se adaptar. Esses colegas nem sabem chegar no seu bairro.

Você sabe onde estão os amigos de verdade, que torcem pelo seu sucesso, que sabem o tamanho da sua luta. Você sabe como é bom andar onde conhece todo mundo e ao passar pelo campinho, pelas paredes que marcou com a bola, as lembranças da infância simples e feliz se fazem presentes. Você percebe que isso tudo é muito mais vida do que morte, como dizem os jornais. Você entende que não seria exatamente assim, se tivesse crescido em outro lugar, entende que isso tudo te ensinou muito mais do que os muros de um condomínio poderia ensinar, que isso tudo te fez muito mais humano do que aulas numa escola cara poderiam tornar.

Você conquista um emprego, um diploma, uma carreira. Você agora tem conhecimento, formação reconhecida, tem o direito de ser quem sempre sonhou. Aquilo que sempre foi dito a você que traria só coisas ruins, a periferia, formou você. E aqueles que sempre fizeram questão de ignorar você, fizeram questão de falar mal do seu bairro, fizeram questão de pedir pra você subir pelo elevador de serviço, fizeram questão de generalizar tudo o que você é como algo ruim para a sociedade, todos eles vêm dizer que seu lugar não é na sua casa, que agora você pode se mudar porque seu bairro não serve para você. Agora, querem dizer que o que tornou você uma "pessoa boa" foi o seu anseio de se tornar como eles e que toda a sua história de vida nada tem a ver, como se a periferia não tivesse nenhuma importância em tudo o que você conquistou, como se você devesse a eles e não aos seus amigos, seus vizinhos e seus familiares.

Você não pode ser como eles. E isso é muito bom. Fique na periferia, ela merece muito mais do que podemos pagar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A certeza da morte


E quando a vida te perguntar: você está pronto para morrer?
Quantas pessoas poderão sorrir por lembrar algo que vocês viveram? Quantas pessoas terão a certeza de que o mundo inteiro precisava te conhecer? Quantos sonhos você realizou e quantos planos você deixou de lado por uma boa razão?

Quando a vida der os sinais, o quanto você estará preparado para dizer sim, ou não? E se nada houver? E se tudo houver? O quanto você tem vivido a esperança? O quanto sua mente será mais forte do que seu corpo? 

Quando a vida te pedir um tempo, você dará? Quando o stress aumentar, você descansará? Quando os resultados não vierem, você celebrará o que foi bom?

Você terá gargalhado até chorar, alguma vez? Terá elogiado alguém com sinceridade? Terá feito amigos de verdade? Terá ajudado sua família? Terá acreditado na humanidade? Nesse dia, você terá sido importante para quem está aí ao seu lado?

Quando a vida te responder sobre esse dia e não houver nenhum único passo a mais para dar, a criança que você foi teria orgulho de você?

Hoje é dia de fazer memória, mas também é dia de refletir sobre si e perceber que ainda dá tempo.