sábado, 10 de abril de 2010

Et Cétera

Esse texto foi feito no dia 25/12/2009. Natal em família, madrugada, meus primos bebendo e bagunçando lá fora, som alto, mas quando é hora de fazer um novo texto, eu consigo, Graças a Deus.

Gostaria de observar que qualquer semelhança com a REALIDADE é mera coincidência. Tudo o que coloquei no texto a seguir tem a finalidade de transmitir uma mensagem de revolta e indignação face ao mundo atual.


Saio de manhã, às 5h estou de pé, a favela dorme e está n’ativa. Me apronto. Pão dormido no café. Penso naqueles que nem isso têm. Sociedade finge não ver, aviãozinho no muro, 30h de plantão, cospe chumbo na mão.


Favelado quer mudar de vida, mas o primeiro a dar a mão é o tráfico. R$ 50,00 por dia, moto, mulher, ou R$ 0,50 por dia carregando blocos? Por aqui, aparecem políticos, quando estão em campanha, dizem que jamais se esquecerão daquele pedaço da favela, porém, quando ganham, jamais voltam, nem sequer lembram-se de nós, de mim.

Às 7h da manhã estou aprendendo um novo ofício, professor, matemática na Federal: meu lugar, após sete anos na Escola Estadual do Bairro, mas a escola que mais forma favelado está na própria favela: Nicotina, álcool, maconha, coca, crack, etc. A escola que mata meus irmãos, escola que me traz medo de assaltos, medo da bala perdida. 15 passos = uma olhada para trás; alguém para em minha frente = medo de morrer; alguém olha para mim = sabe que tenho celular.

Cresci correndo numa rua onde passos não existem mais à luz do dia. Ex-colega de sala morto roubando ônibus.

Sistema deixou que mais uma geração se perdesse num caminho sem volta, caminho que mata antes dos 18, caminho que faz a favela chorar. Presidente sabe que o Brasil se perde mais nessa vida a cada dia. Políticos só querem saber dos seus bolsos. Estou jogado às traças, lutando para mudar essa realidade, mas como dizer a um guri que estudar é bom, se a escola pública mostra pro favelado que ele vale nada e que nunca será quem sonha???

13h. Acabaram minhas aulas, agora vou pro laboratório estudar 20h por semana e ganhar R$ 300,00 por mês. Traficante acaba de acordar e já sabe: -R$ 300,00 será apenas hoje.
Mais um vai morrer porque não pagou o que cheirou, mais um poço de sonhos vazio, mais um que tinha uma especialidade única, mais um que tinha o poder de mudar “essa porra”, estará a sete palmos abaixo do chão que a sociedade pisa.

16h. Vou lanchar. Reabastecer minhas energias porque estudar requer muita comida. Favela se prepara para mais uma noite de movimentos ligeiros, motos “a todo vapor” pra cima e pra baixo: Drogas chegando aos locais de venda.

17h. Já estou noutra Federal: Análise de Sistemas. Todo conhecimento é pouco, como se nada tivesse acontecido, estou pronto para mais 5h de aula.

Todos a postos na favela. Escolas, faculdades, condomínios, toda cidade abastecida. Vai começar o baile mais mortal do mundo. Fuzis subindo e descendo. Rojões indicam polícia na área. Toque de recolher marcado. Correcorre aqui, silêncio ali.

Vi nascer, vi crescer, mas hoje impõe suas leis e não respeita mais ninguém. O pai? Morto pelo tráfico. Escalda a área, assalta seus irmãos, fuma, trafica com o primo. Escondidinho; oficialmente ninguém vê. Polícia = vistas grossas. Policial da área = medo de morrer se 
denunciar.

Todo mundo já provou. Só uma, sem compromisso: já era! Dívida, cobrança, bala na boca. Criança cresce vendo tudo isso, entre “polícia e ladrão” “ladrão” é a maioria. “Derruba avião” é o preferido, mais potente. Tem, até, bazuca. Matemática é o terror, física, uma chatice, português, desnecessário, fumar depois da aula, lei por aqui.

Quem tenta alertar é ridicularizado, idiota, careta.

22h. Estou seguindo para casa. Ponto de ônibus. MV Bill, Racionais no ouvido, APC-16, Rosa de Saron.

Favela está em alta. Vários já gastaram todo o dinheiro, 13 segundos de alucinações, cabou. Vendedor pequeno conta o número de vendas. 22:45h desço do busu. 16h na rua, estudando pra mudar a realidade dos que são pra mim.

Abordado. Cara quer R$ 0,50 pra beber mais uma. Cara feia após um “não”.

Vou subindo o morro. Ao fundo, amigo sobe correndo, gritando, polícia, cobrador atrás de si. Deve ao tráfico, roubou pra pagar. Se protege atrás de mim. Polícia, cobrador não querem saber quem está na cena, apenas importa que o amigo pague com sua vida. Sou alvejado à queima-roupa. Morro ali mesmo, na hora, 10 tiros.

Logo eu que sempre quis o melhor para minha gente, o melhor para minha favela.

7 comentários:

  1. É interessante ler depois de algum tempo... Parece que não fui eu que fiz... uhauhsauhsa Mas, modéstia à parte, é um lindo texto. Fala muito do que essa gente guerreira vive. Muitos morrem sem terem tido um única chance de ser feliz, porém todos nós criticamos e matamos com palavras aqueles que tentam sobreviver diante desse mundo hipócrita, onde o dinheiro reina...
    Antes de jogarmos pedras, vamos tentar entender aqueles que nunca tiveram a oportunidade de estudar, eu sei como é a escola pública, eu sei que o governo não nos dá oportunidades, por isso ajudar os irmãos que não suportam chegar em casa e passar fome, é o certo a fazer...
    Paremos de criticar, vamos nos unir.
    Se a favela soubesse o seu valor, se os favelados soubessem o quanto são importantes para o MUNDO, se uniriam e tornariam essa PORRA, essa MISÉRIA desse mundo mais igual, mais feliz!!!

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  2. o.O Admirada *-*
    Mandou bem no texto, e como se não bastasse comentou o seu próprio texto de maneira, mais uma vez, FANTÁSTICA!
    By:Michele

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  3. Obrigado Miii...

    Não nego que ainda me emociono com esse texto e o acho lindo.. uhauhsuh

    É uma pena que poucas pessoas se interessem por temas importantes como esse. Todo mundo quer assistir a novela e o programa sensacionalista que julgam verdadeiro. Ninguém quer a responsabilidade de tornar o mundo um lugar melhor para se viver. Claro que a maior parte da culpa é das Elites que NUNCA ligaram para nós, porém temos uma parcela nisso tudo, pois nos deixamos ser omissos, pisados e humilhados por essas mesmas Elites que só têm luxo porque os "peões" trabalham 24h por dia para eles...

    Não canso de me indignar face às desigualdades que existem, face a aceitação do povo, povo que não sabe, mas aceita ser burro, aceita ser jogado às traças... (não consigo parar de falar) huasuhas

    Té mais galera!

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  4. É isso aí!!
    Não pare NUNCA!! =D

    By: Michele

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  5. Pois é...Vidas passam sem ninguém notar...
    Thiiii vai nessa que tu tem futuro caro jornalista!

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  6. Texto muito bom Althielis, Parabéns...

    Ass: Mazinho

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